É consenso, entre os cientistas que se debruçam sobre questões relacionadas às mudanças climáticas, que o planeta está aquecendo. O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que o mundo provavelmente atingirá ou excederá 1,5°C de aquecimento nas próximas duas décadas – mais cedo do que o que sugeriam avaliações anteriores. Esse evento, claro, não é isolado. Só para exemplificar, as concentrações de dióxido de carbono estão acima do registrado nos últimos dois milhões de anos, o nível do mar tem aumentado mais rápido do que em qualquer século nos últimos três mil anos e o nível de acidificação dos oceanos atinge o nível mais alto, dos últimos 26 mil anos. Frear esse fenômeno e minimizar os impactos causados por ele depende da adoção de medidas de adaptação ainda nesta década.
Nessa força-tarefa, contar com informações com respaldo científico que permitam avaliar os possíveis riscos de impactos a partir das mudanças climáticas é o primeiro passo. Por isso, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) lançou a plataforma AdaptaBrasil MCTI, desenvolvida em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A plataforma integra informações, que antes estavam fragmentadas e dispostas em diversos bancos de dados ou que ainda não existiam para consulta pública e as concentra em um ambiente virtual, onde passam a estar organizadas, atualizadas e disponíveis.
Esses dados permitem avaliar os riscos de impacto da mudança do clima, no presente e em cenários futuros no território nacional, a fim de oferecer subsídios a tomadores de decisão das três esferas governamentais, desde o nível municipal até o federal, para embasamento e formulação de políticas públicas; apoiar na produção de conhecimento especializado; promover maior conscientização ambiental da sociedade civil; e contribuir com um menor risco de investimento para os setores público e privado. A iniciativa é inédita no Brasil e é a contribuição da ciência para ações de adaptação.
A tecnologia permite que os usuários consigam acessar dados e indicadores compostos que expressam possíveis impactos para diferentes setores estratégicos, como o setor de recursos hídricos e as seguranças energética e alimentar, em toda a extensão territorial brasileira. Sim, o país inteiro. A plataforma foi expandida e passa a abranger todo o território nacional, oferecendo informações técnico-científicas robustas para todos os 5.568 municípios brasileiros. Até então, os dados disponíveis da versão piloto, lançada em outubro do ano passado, estavam restritos ao semiárido brasileiro.
Conheça a solução, acessando adaptabrasil.mcti.gov.br
O impacto da solução
Longe dos laboratórios que estudam dados científicos sobre o tema, o impacto das questões climáticas também é percebido. Luiz Alberto Novaes, mais conhecido como “Mandi”, vive no campo desde quando ainda era um menino. A paixão virou profissão e vocação e lá se foram mais de 30 anos de produção rural. Aos 56 anos, o engenheiro agrônomo toca o negócio familiar de plantação de soja e milho – a MN Agro –, no Mato Grosso do Sul, e usa a experiência como lupa para observar de perto os efeitos das mudanças climáticas no seu dia a dia. “Eu convivo com a produção desde criança, também ouvimos falar dos relatos dos nossos ancestrais. Os eventos climáticos são cíclicos: tem época que a gente sofre com a seca, em outras sofremos com o excesso de chuvas ou com o aumento de temperatura… Nos últimos anos, as mudanças foram muito grandes”, explica Mandi.
Mais que perceber esses impactos, segundo ele, também foi necessário se adaptar. “As atitudes que tínhamos há 30 anos atrás são muito diferentes das que temos hoje. Nossos sistemas de produção evoluíram muito”, complementa. Como principais mudanças no campo entre as últimas duas e três décadas, Mandi cita a adoção do plantio direto e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
O plantio direto é uma técnica de semeadura, na qual a semente é colocada no solo não revolvido (ou seja, o solo não é arado ou nivelado). Essa medida aumenta a retenção de umidade do solo, o que garante maior rendimento nas épocas mais secas; otimiza o aproveitamento das melhores épocas para plantio; evita mineralização de nutrientes no solo e, consequentemente, a diminuição de matéria orgânica; e é a mais importante ação ambiental brasileira em atendimento às recomendações da conferência da Organização das Nações Unidas (Eco-92) e da Agenda 21 brasileira.
Já a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área, que busca otimizar o uso da terra, com maior produtividade e diversidade na produção; ajuda a recuperação de áreas degradadas, com intensificação da ciclagem de nutrientes no solo e garantia de manutenção da biodiversidade; e torna a produção mais sustentável, ambiental e economicamente.
Sobre a plataforma AdaptaBrasil MCTI, o produtor opina: “Estar atento às questões climáticas é uma prática bastante comum para nós, produtores rurais, pensando no impacto às nossas atividades. Essa plataforma vem ao encontro de nossos interesses para podermos minimizar esses efeitos e será fundamental para nós, oferecendo subsídios para tomarmos melhores decisões no campo”.
Agora, a plataforma é nacional
Nesta terça-feira (5/10), durante mais uma live do periódico Bate-Papo de Ciência e Tecnologia no Dia a Dia, realizado pelo MCTI, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, anunciou três importantes entregas na área de ciência e clima. A expansão da plataforma AdaptaBrasil MCTI, a SINAPSE MCTI e o Inventário Nacional de emissões e remoções de gases de efeito estufa desagregado por UF.
Para detalhar as iniciativas e explicar como essas ações contribuem para que o Brasil avance na agenda de clima, estiveram presentes o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes; ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite; Marcelo Morales, secretário de Política e Formação Científica (SEPEF) do MCTI; Márcio Rojas, coordenador-geral de Ciência do Clima e Sustentabilidade (CGCL) do MCTI; Nelson Simões, diretor-geral da Rede Nacional de Pesquisa (RNP); e Jean Pierre Ometto, pesquisador titular e chefe da divisão de Projetos Estratégicos do INPE.
Quando a pauta era o AdaptaBrasil MCTI, o pesquisador do INPE, Jean Ometto, defendeu a importância da aliança entre MCTI, INPE e RNP. “Um dos elementos centrais dessa relação é construir uma ponte entre a ciência e as soluções. Acho que o Ministério tem cumprido um papel importante nesse contexto. A gente trabalha em uma das pontas, gerando buscar a ciência da melhor qualidade para que as decisões possam ser tomadas com maior fundamentação possível”.
Em seguida, o diretor-geral da RNP complementou a fala de Jean e esmiuçou o papel da organização social na parceria. “A RNP, como infraestrutura de pesquisa, não poderia estar distante de uma iniciativa tão importante, que o Ministério construiu em conjunto com o INPE. Numa ponta, a competência e a metodologia que o Instituto traz para pensar e trazer soluções para adaptação do país a essas condições climáticas. Isso representa a parte dessa importante riqueza que o país tem, que são suas instituições de ciência, tecnologia e inovação, que são integradas em todo território. Então, para a RNP, é um grande privilégio somar esse esforço para que essa plataforma esteja sempre disponível, de forma segura, simples e acessível, gerando os resultados que o nosso país precisa”, argumentou Nelson.
No chat ao vivo, diversos comentários elogiavam a iniciativa AdaptaBrasil MCTI:
Para o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o pacote de soluções apresentadas no evento faz parte de um movimento ainda maior, que une ciência e meio ambiente. “A ciência é a garantia de um futuro verde. Nada melhor que utilizar os dados da ciência para nos ajudar a desenhar políticas públicas que possam contribuir com uma nova economia verde”, sugeriu. Então, o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, fez um apelo: “Confiem na ciência do Brasil, confiem no trabalho do Meio Ambiente. Temos tudo para nos tornar o Brasil a maior economia verde do planeta, sem dúvidas”.
Veja como foi o evento:
O desenvolvimento da solução
A plataforma AdaptaBrasil MCTI é o resultado de uma parceria firmada entre a RNP, a Secretaria de Pesquisa e Formação Científica (SEPEF) do MCTI e o INPE. Juntas, essas instituições pretendiam desenvolver e implementar um Sistema de Observação dos Impactos da Mudança do Clima. O desenvolvimento dessa plataforma iniciou em janeiro de 2018, usando técnicas de design thinking e outras abordagens centradas no usuário, envolvendo as comunidades afetadas e interessadas pelo tema “mudanças climáticas”, como representantes do governo federal e estadual, universidades, institutos de pesquisa e organizações não governamentais.
De lá para cá, o MCTI fomentou e coordenou a iniciativa, o INPE foi responsável pelo desenvolvimento da metodologia científica para construção de indicadores para observação dos impactos da mudança do clima, enquanto que a RNP implementou essa metodologia em um sistema computacional intuitivo, eficiente e seguro. A primeira versão da plataforma AdaptaBrasil MCTI foi lançada em outubro de 2020, com o recorte territorial limitado ao semiárido. Um ano depois, a plataforma passa a abranger o território nacional. A solução está em constante otimização e evolução, com implementação de novas funcionalidades e informações.