A história por trás dos 20 anos da internet comercial no Brasil

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Em 1995, o Brasil veio a conhecer uma tecnologia pela qual posteriormente iria se apaixonar. Pela primeira vez, o cidadão comum podia ter acesso à internet na modalidade IP discado. Em virtude da criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), em maio de 1995, são comemorados os 20 anos da internet comercial no Brasil. Na época, o período era instável para o setor de telecomunicações. Mas o que raramente se discute é que a internet no país existia bem antes disso, no meio acadêmico, onde foi gerada e encontrou meios para se desenvolver, nos moldes em que a conhecemos hoje.

Sete anos antes, em 1988, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) foram duas instituições pioneiras em se conectar à Bitnet, tecnologia anterior à internet e ao World Wide Web, que permitia a transferência de arquivos em texto por correio eletrônico. Um ano depois, surgia o projeto Rede Nacional de Pesquisa, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o objetivo de disseminar o uso de redes no país, sob a coordenação geral de Tadao Takahashi.

Nos meses seguintes, Tadao indicou Demi Getschko, na época gerente de TI da Fapesp e hoje presidente do NIC.Br, para a coordenação de Operações. Além da Fapesp em São Paulo, liderada por Getschko, e o LNCC no Rio, onde se destacava o ex-diretor de Engenharia e Operações da RNP, Alexandre Grojsgold, outras instituições cariocas rapidamente se conectaram à Bitnet: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), liderada pelo professor Edmundo Souza e Silva, e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), onde o atual diretor de P&D, Michael Stanton, era professor.

“Lá, havia um ambiente interessante, pois a universidade contava com redes locais e começamos a interligá-las. Então, era possível se comunicar entre departamentos, o que era algo muito novo”, lembra Michael. “A partir de 1990, tínhamos uma conexão externa para esse conjunto, que permitia o acesso ao LNCC”, destaca. Rapidamente, a novidade se espalhou para outras universidades e, em 1991, a RNP já conectava 40 instituições à Fapesp e ao LNCC, que tinham conexões externas para a Bitnet.

Enquanto a Bitnet chegou a conectar milhares de universidades no mundo todo, mas possuía limitações para transferências de dados, nos Estados Unidos já tinha sido desenvolvida há três décadas outra tecnologia capaz de suportar diversas aplicações, o TCP/IP. Essa tecnologia ganhou fôlego em 1985, quando a National Science Foundation (NSF) financiou a construção de um backbone interligando as universidades norte-americanas.

O financiamento foi mantido por dez anos, até 1995, quando cresceu a pressão das operadoras de telecomunicações em tornar a internet um negócio lucrativo e não se viu mais a necessidade de financiar uma rede acadêmica com verbas de pesquisa. Diante disso, a reação das universidades foi criar a Internet2, em operação nos dias atuais. A principal justificativa era de que a qualidade do serviço prestado pelas operadoras comerciais não atendia às necessidades dos pesquisadores.

No Brasil, ocorreu o mesmo movimento, e a RNP sentiu a pressão do setor de telecomunicações para a comercialização da internet. Em 1995, já existia o backbone acadêmico em TCP/IP, desde 1992, com duas saídas internacionais, uma em Brasília e outra em São Paulo, e uma capacidade que alcançava 2 Mb/s, considerada elevada na época em comparação às redes de dados desse período.

“A transição para o TCP/IP não foi algo pré-determinado. Cada país tinha sua própria solução para rede de dados. A dos americanos, o TCP/IP, era a mais disseminada. Eles tinham desenvolvido um sistema que funcionava e todo mundo queria copiar, porque, assim, se falava com todos”, comenta Stanton.

Sob o mesmo argumento de que é preciso mais capacidade de banda para o progresso da ciência, a RNP se sustentou em meio à turbulência. Detentora do monopólio no país à época, a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) demorou a entender uma característica essencial da internet que a diferencia da telefonia: a descentralização.

“Eles queriam aplicar a telefonia como ela era e queriam ser os detentores desse controle. Enquanto a telefonia era vulnerável e dependente da infraestrutura física, com a internet as conexões não eram supostamente imutáveis. Se caísse uma conexão, a tecnologia achava um outro caminho para chegar ao destino sem a necessidade de intervenção humana”, explica o diretor de P&D.

A RNP chegou a operar tráfego comercial por três anos, entre 1995 e 1998, em alternativa à Embratel, que finalmente tinha adotado a tecnologia TCP/IP e estava impedida pelo governo de exercer o monopólio de serviços de redes de dados no Brasil. Sua atuação foi limitada à provedora de serviço de backbone de internet comercial, papel também assumido pela RNP nesse período. “Em vários outros países, as redes acadêmicas acabaram se tornando provedoras comerciais, e havia a possibilidade disso ocorrer no Brasil, uma vez que o então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através do CNPq, estava perdendo fôlego para manter a RNP em operação”, complementa Michael.

No entanto, com a transformação da RNP em organização social e o interesse do Ministério da Educação em mantê-la para o atendimento das universidades e outras instituições, surgiu o Programa Interministerial, em 1998. Para o diretor-geral da RNP, Nelson Simões, “a decisão sobre a formação do PIRNP se deve à visão estratégica do MCTI, que viu a internet como elemento importante para o futuro da educação e pesquisa e, em grande parte, à necessidade do Ministério da Educação (MEC) de viabilizar o acesso aos periódicos científicos eletrônicos”. A partir daí, a RNP pôde voltar à sua essência: continuar contribuindo para o uso inovador de redes avançadas no país e para a constante evolução da internet.

Internet e a Rio92

Em 1992, o Rio de Janeiro foi palco da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como Rio 92, considerada um marco para o início das discussões sobre desenvolvimento sustentável. Mas o evento também foi importante para a história da internet no Brasil. Enquanto 180 chefes de Estado se reuniam, ocorria em paralelo outro evento, o Fórum Global para as organizações não governamentais, que precisou de infraestrutura de comunicação.

Para isso, foi contratada a Alternex, tecnologia baseada em Bulletin board system (BBS) e mantida pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que consistia basicamente em um conjunto de computadores, onde era possível consultar uma base de dados e se comunicar com outros usuários por correio eletrônico, inclusive com instituições nos EUA, duas vezes por dia, por meio da rede UUCP.

Antes da abertura para a internet comercial no Brasil, foi a primeira vez em que pessoas físicas não vinculadas à universidade puderam ter uma experiência semelhante à transferência de arquivos e uso de correio eletrônico. Segundo Michael Stanton, o momento da também chamada Eco 92 foi propício para a RNP lançar sua rede óptica nacional naquele ano, uma vez que, para atender à demanda por capacidade internacional da Alternex durante o Fórum Global, criou duas conexões internacionais de 64 Kb/s, uma do Rio, pela UFRJ, e outra de São Paulo, pela Fapesp. Até a abertura comercial em 1995, a Alternex era cliente da RNP.